O pioneiro de múltiplos talentos - Nacional

Fernando Moniz, o chefe de cozinha que é um dos pioneiros do surfe e voo livre em SC e aos 71 anos ainda disputa provas de atletismo de até 21km

Um dos pioneiros do surfe e do voo livre de asa delta em Santa Catarina, e dos primeiros a fazer pranchas (shaper) para surfar, Fernando Moniz, 71 anos, já foi também navegador, pescador e professor de surfe, entre outras ocupações. Carioca da Barra da Tijuca, morou 30 anos em Florianópolis e está há 20 anos em Urubici, uma das cidades mais frias do Brasil, no planalto catarinense. 

Ali é chefe de cozinha do seu restaurante A Taberna, na área central da cidade, em sociedade com a esposa e sommelier Elizabeth Queirós. Mas quem pensa que se aposentou das atividades esportivas, está muito enganado. É trilheiro e ainda disputa provas de 10km, 15km e 21km (meia maratona) e se exercita diariamente por várias horas, remando na prancha stand up no rio Canoas – a 400 metros de sua casa –, onde também treina com uma canoa canadense. Todos os dias pedala sua bicicleta e corre pelas ruas da cidade de pouco mais de 12 mil habitantes, situada a 170 quilômetros da capital Florianópolis. “Tenho uma saúde de ferro”, afirma, orgulhoso. E não tem tempo ruim pra ele: com chuva, calor ou frio, está sempre se movimentando. No dia 15 de novembro deste ano, conquistou o 1º lugar na meia maratona de Antônio Carlos, município catarinense próximo a Florianópolis, na categoria mais de 70 anos.

Mas tudo isso para este pai da Natália Queirós Moura Moniz, 38 anos, que mora em Portugal e avô de três netos (Mateus, Igor e Tomás), ainda é pouco. Longe das praias, inventou novas formas de fazer o que gosta. “Eu sou o único surfista da cidade e surfo no rio também, com uma prancha de wakeboard e um cabo amarrado a uma árvore, aproveitando quando o rio está mais cheio e forma pequenas correntezas e marolas em trechos de maior descida”.

Outra invenção deste taurino septuagenário, que não para, foi o snowboard em neve sobre a vegetação de morros da região. Ele já praticou o esporte na Patagônia, na Espanha e em Portugal e não iria perder a oportunidade de testar essa aventura com uma prancha nas rarefeitas nevascas em Urubici. Mas duas nevascas foram especialmente especiais, em 1998 e 2010, quando tudo permaneceu branco por três dias e graças ao clima nublado, se manteve sobre a relva por quase uma semana.

Com a experiência dos esportes radicais, Moniz diz que não foi fácil descer as montanhas, mas que a sensação de liberdade e beleza compensou. “Sempre fui pioneiro e quando vi o solo todo branco, resolvi ser também o primeiro a praticar snowboard com neve verdadeira em Santa Catarina”. E como sempre faz, geralmente sozinho, grava e põe em seu canal no YouTube (www.youtube.com/fernandomoniz1952).

“Sou autodidata em tudo”, vangloria-se. “Aprendi sempre sozinho, inclusive a cozinhar”. Foi assim, também, que aprendeu a esculpir com motosserra os totens que estão no terreno da sua casa e restaurante. E na sua extensa lista, que parece não se esgotar, pode incluir ainda o aprendizado autodidata de violão e piano.

Do Leblon a Floripa
Fernando começou a surfar no Leblon com 15 anos, o que para os dias atuais, é bem tardio. “Hoje com quatro ou cinco anos já estão pegando onda”, afirmou. O esporte na adolescência era a sua melhor companhia, porque nunca gostou “de festa, de balada”. Desde aquela época sempre acordava cedo, em busca da onda perfeita, de olho nas marés e nos ventos.

Saiu do Rio de Janeiro com 18 anos. Antes de vir para Florianópolis, morou pouco tempo em Itajaí (SC). Na capital catarinense aportou na Barra da Lagoa, tradicional reduto de pescadores, principalmente na década de 70, quando ali se instalou para pegar ondas, fabricar pranchas e dar aulas de surfe. “As aulas eram das 7h às 9h, para cerca de 20 alunos. Vinha gente de vários lugares, inclusive de outros países”.

Naquela época – lembra – a Ilha não tinha mais do que 100 surfistas. “Minhas pranchas eram cobiçadas – e caríssimas – porque usava material de ótima qualidade e fazia tudo sozinho. Uma prancha por semana, em média”. Fernando, que tinha um bom padrão de vida com a sua escola e as pranchas, chegou a competir como profissional do surfe, em vários campeonatos no País. Mas gostava mesmo é da vida boa da Barra da Lagoa, onde surfava por prazer e também nas ondas da Joaquina, Praia Mole, Imbituba e outros pontos famosos escolhidos pelos surfistas. Usava cartas náuticas do litoral catarinense para descobrir onde havia boas ondas. “Fui o primeiro a surfar em muitas praias desertas”, comemora.

Depois encontrou a maior emoção da sua vida no esporte. “O mais sensacional de tudo é voar, é uma sensação única, é sublime”. Voou de asa-delta principalmente de 1978 a 1984. Em Florianópolis, Rio do Sul, Pomerode, Jaraguá do Sul, onde houvesse uma boa rampa e ventos favoráveis. Durante algum tempo deu uma pequena parada e voltou ao esporte entre 2007 e 2011.

Não sem sofrer alguns sustos neste esporte radical. No final de 1984, ao voar com um amigo, na Lagoa da Conceição, foi parar em cima da rede elétrica. Em 2011 outro susto. Foi se exibir para uns amigos, na hora do pouso, fazendo uma manobra mais radical e deu de cara no pasto. “Só não morri porque Deus não quis”, relembra. Fraturou o braço direito e ficou duplamente no prejuízo, na cozinha do restaurante, impossibilitado de trabalhar, e na comemoração do Dia dos Namorados, pois o acidente aconteceu no dia 12 de junho. “A partir daí, a Elizabeth cassou o meu brevê”, comenta rindo. 

Em 1984 ele já sentira que era hora de parar. Na época, a esposa estava grávida. E numa viagem com ela a Gramado (RS), conversando com o amigo Nelson Heinzen, que é natural de Urubici, “ele sugeriu que, na volta de Gramado, a gente conhecesse a sua cidade. Passamos por aqui, nos encantamos com a paisagem e não saímos mais”, acentua. “Aqui sou um peixe fora d’água, porque a maior parte da minha vida foi em uma praia, mas me adaptei e sou feliz”, completou. 

Entre as várias atividades, também foi pescador – artesanal e embarcado. Em canoas com pescadores da Barra da Lagoa, participou de grandes lances de tainha. “Na época, era comum lances de 100 mil, 200 mil tainhas”. Mas não foi fácil se aproximar dos nativos, os autênticos manezinhos da Ilha. No princípio, os pescadores desconfiaram desse carioca surfista, mas aos poucos foi ganhando a confiança. “Eu era um surfista que virou pescador e com o tempo, os filhos dos pescadores aprenderam a surfar na minha escola”. 

Fernando também trabalhou como cozinheiro de embarcações de pesca de empresas tradicionais do litoral catarinense, principalmente de Florianópolis e Itajaí. “Entrei para a colônia de pesca Z11, da Barra da Lagoa e contribuí 26 anos para a minha aposentadoria como pescador, mas não consegui me aposentar nessa profissão. Mas finalmente, em abril de 2024, vai se aposentar como cozinheiro profissional. Durante dois anos, aliás, Fernando também foi cozinheiro de um grande veleiro.

Essa paixão pela arte de cozinhar começou com uma decisão aos 18 anos. “Decidi que iria fazer, todos os dias, a minha própria refeição”. O que faz até hoje, agora estendendo suas habilidades culinárias para o público seleto de seu restaurante em Urubici, que recebe pessoas de várias cidades catarinenses, como Blumenau, Criciúma, Lages, Joinville e outras. “Um dos governadores de Santa Catarina, que tem propriedades no planalto, era um frequentador habitual. Outros políticos, médicos, empresários, pessoas de bom poder aquisitivo, frequentam o restaurante. 

A maioria dos fregueses não é da própria cidade, porque o restaurante é um pouco mais caro do que a concorrência local (preços de pratos para duas pessoas varia de 100 a 280 reais) e também pelo tipo de comida, que não é exatamente do gosto popular. “Faço uma cozinha internacional, com ingredientes locais, como a truta e o pinhão”. No menu, entre outras entradas, “pinhão salteado no azeite de oliva”. Tem também estrogonofe de pinhão com filé mignon e o famoso entrevero, “uma mistura de pinhões, filé mignon, lombo de porco e salame caseiro”.

Com a truta, peixe nobre de regiões frias, tem penne com truta baiana, truta portuguesa (como o bacalhau à Gomes de Sá), moqueca e sopa de truta. Mas tem o bacalhau autêntico, para quem prefere o peixe tradicional. E duas opções veganas: um molho de abóbora com castanha do Pará, legumes, gengibre, nós moscada, curry, cravo e canela (acompanha arroz); e uma “Delícia Vegana”: arroz com cúrcuma e pinhões torrados. Ah, e de sobremesa, além de banana flambada, sorvete e goiabada empanada na castanha de caju com catupiry, tem pinhões flambados com sorvete de creme.

Para beber, vinhos, cervejas, uísques, cachaças artesanais, caipirinha e, sem álcool, água mineral, sucos e refrigerantes – além de café e chá. 

O sucesso do restaurante A Taberna contou com a ajuda do Sicoob. “Estou com o Sicoob há 20 anos e tem me ajudado muito. Desde que conheci e comparei com os bancos, nunca mais larguei”. No começo, não tinha muito dinheiro e quando estava para inaugurar, ainda faltavam as cadeiras. Pegou um empréstimo em um banco público e descobriu que saiu muito caro. “Quando meu amigo Nelson, que é cooperado Sicoob, me falou da cooperativa, fui lá conferir e descobri que poderia pegar um empréstimo por menos da metade do banco que eu contratei. Peguei o dinheiro no Sicoob Crediaraucária, paguei a dívida com o outro banco e quitei as cadeiras já com o resultado da primeira temporada”.

Como a gente sempre descobre algo mais das habilidades deste setentão, sobre o que já fez ou ainda faz, vamos completar a lista: ele também sabe fazer pães, bolos e biscoitos, “mas isto quem cuida mais é a Beth”, registra.

De todas as andanças pelo mundo, aprendeu que simplicidade, liberdade e morar em lugares com boa qualidade de vida, é a melhor receita. “A minha filosofia não é o que eu tenho, mas o que eu faço”, concluiu.

Fonte: Celso Vicenzi – Sicoob Central SC/RS – Assessoria de Imprensa. Foto: Ricardo Gonçalves/Pelicano Filmes.